sábado, 24 de novembro de 2012

Suspendya

O Dilema do Espírito de Gelo - Parte 1

(por Gabrielle Vizcaino)
Observados à distância seus passos, contrariando a aparência pesada do ser de quatro patas, eram leves e ligeiros. Para um observador mais próximo, seria possível perceber que as patas cobertas de longos pelos prata e azul-gelo sequer tocavam de fato a terra vermelha. Era como se uma fina teia de gelo se formasse abaixo de cada pata à cada passo, sustentando no ar o gigantesco tigre de pelo prata com listras azul-gelo e par de pequenos chifres de gelo na testa.


Os soldados de armaduras rubras com cabeleiras de chamas saindo dos capacetes bateram a base das lanças no chão de mármore vinho quando o tigre aproximou-se do primeiro degrau da escadaria. A cada passo que dava, subindo os degraus, sua forma parecia degradar-se em fumaça feita de cristais de gelo, até transforma-se num homem com seus trinta anos, de rosto forte e cabelo prata apontando para todos os lados, uma simples capa de pelagem prata o cobrindo. Do tigre, restou apenas o par de chifres de gelo e os intensos olhos azuis.



Sem ser parado pelos soldados, seguiu pelos corredores de ferro avermelhado do palácio do Verão de Suspendya. O rosto denotava preocupação e ansiedade. Porque o Rei de Verão tinha chamado especificamente ele, sabendo que o outono já estava deixando suas últimas folhas caírem? Ele e os outros espíritos do gelo tinham precauções a tomar. O que quer que fosse devia ser tratado com o Rei de Inverno.

Estacou ao vislumbrar o salão de ferro vermelho tão cheio. Não de Espíritos, mas de Feiticeiros, com seus chapéus pontudos que brilhavam com estrelas pintalgando o tecido escuro, e Weisse Frauen, as Damas de Branco, montadas em seus unicórnios, com suas expressões apáticas. E os quatro Reis de Suspendya – Verão, Outono, Inverno e Primavera – estavam reunidos. Algo que não se via há séculos, quando uma Feiticeira entregara-se aos Demônios de outras dimensões e fugira para sabem os deuses onde com seus novos poderes obscuros.


— Mansurie — o Rei de Inverno ergueu-se da cadeira de gelo onde se acomodava, olhando na direção do espírito que acabara de chegar. Quatro galhadas de gelo saíam de sua cabeça, destacando-o entre os demais espíritos do gelo —  temo meu velho amigo, que a notícia que nos fez chamá-lo, separado de todos os demais, não seja boa.


Mansurie nunca achou que fosse uma notícia boa ao ver os quatro Reis reunidos e as Weisse Frauen por perto. Principalmente elas, as carcereiras daqueles que se desviavam para caminhos obscuros, popularmente chamados de Bruxos.


Sua mente vagou por uma lembrança do passado...

— Quantos filhos você gostaria de ter, Zorana? – perguntou para a Feiticeira sentada ao seu lado na beira do rio de águas cristalinas salpicadas de folhas douradas.

Zorana pareceu pensar, dobrando e desdobrando o chapéu em suas mãos.

— Com você? – perguntou, sorrindo, vendo Mansurie acenar a cabeça. Sorriu, as bochechas morenas ganhando um tom mais vermelho. — Uns quatro. Dois espíritos e dois Feiticeiros. — e então, beijou rapidamente sua bochecha, antes de se levantar e sair correndo, rindo como se fosse uma criança.

Ele limitou-se a sorrir, enquanto passava para a forma de tigre, decidindo que era com ela que passaria a eternidade.

* * ;*

Olhou incrédulo para os quatro Reis e para a Comandante das Weisse Frauen.

— Zorana... Zorana fez um pacto com Demônios? – murmurou a voz parecendo ser apenas um reflexo distorcido do que costumava ser. A Comandante das Weisse Frauen acenou a cabeça.

— E não com quaisquer Demônios. Foi especificamente com os Demônios do inferno de Euphoria, que só aceitam crianças de até doze anos com sangue mágico como sacrifício. — os olhos brancos da Weiss Frau suscitavam assombro e medo em qualquer um. Eles, mais do que suas expressões de mármore, era o que assustava as crianças de Suspendya. — Encontramos os restos de crianças Feiticeiras e Espíritos em sua mansão. Crianças que estavam desaparecidas há meses.

— Já a prenderam? – forçou-se a engolir tudo que sentia por Zorana. Se ela realmente fizera aquilo, não merecia sequer a morte: seria muito bondoso com alguém que negociara usando o sangue de inocentes. E o pior é que sequer podia falar à favor dela.

Nos últimos dois meses, a Feiticeira vinha evitando-o. Achou que era porque se interessara em outro homem, e teria doído muito menos se fosse isso. Principalmente por ela pactuar com os demônios de Euphoria. Nenhum Bruxo fizera aquilo. Era crueldade demais até para eles.

A Weiss Frau balançou a cabeça.

— Ela conseguiu fugir para um Templo Dimensional. Até iríamos atrás dela, afinal, só os deuses sabem o que ela fará, mas a dimensão para onde ela foi... – A comandante mordeu o lábio, quebrando o mármore, parecendo incerta sobre falar ou não. Foi quando o Rei de Primavera, com flores e galhos brotando de sua cabeça, se manifestou, num tom suave de voz.

— A dimensão passa por momentos conturbados. As Weisse Frauen não poderiam usar seus poderes para prender Zorana sem serem acusadas de Bruxaria. — ele girou os olhos, como se achasse a ideia absurda.

Mansurie entendeu: não havia como prender Zorana. Ela ia fazer o que quisesse com a ajuda de Demônios em alguma dimensão qualquer. Pobres de seus habitantes. Após cinco minutos de silêncio entre eles, o Rei de Verão ergueu-se, o fogo de seu cabelo se avivando enquanto falava para os demais.

— A outrora Feiticeira Zorana, agora Bruxa, está para sempre banida de Suspendya, sob pena de Encarceramento de Prometheus, caso retorne. – respirou fundo. – Meu mais profundo pesar aos familiares das crianças usadas nos atos tão vis de Zorana. – percebeu que Mansurie queria falar algo. Acenou a cabeça, e o espírito do gelo ergueu-se.

— Se o que dissestes sobre os atos de Zorana é verdade, ela não pode permanecer solta. – fez uma reverência aos quatro Reis. – Peço, Quatro Reis de Suspendya, que me deem permissão para ir atrás da Bruxa e trazê-la de volta, para cumprir a pena imposta à ela.

Os quatro olharam-se. Foi o rei de Outono quem falou o que estava na mente de todos, somente erguendo de leve o rosto sonolento, os galhos secos que saíam por entre seu cabelo em direção ao teto estalando de vez em quando.

— Se és o que deseja, Mansurie, que assim seja. Traga Zorana para nossa dimensão, para que as Weisse Frauen cuidem de sua punição. – bocejou, e junto dos demais Reis, bateu com o cajado que lhe conferia autoridade no chão.

— Que assim seja. – disseram os demais em uníssono.

* * *

A água cristalina da fonte no centro do Templo Dimensional corria de baixo para cima, percorria os sulcos do teto de esmeralda, descia pelos sulcos das paredes de ônix e corria o chão inclinado de malaquita até a origem, num eterno ciclo.

Mansurie, em sua forma de tigre, parou sentado diante da fonte. A água no centro do Templo não era cristalina de fato. Observando atentamente, ele viu vislumbres de outras dimensões. Algumas em plena paz. Outras destruídas pela guerra realizada com máquinas que ele nunca vira.

Suspirou, e acenou para a Weiss Frau ao seu lado. A mulher então deixou uma mexa de cabelos ruivo-alaranjado cair na água, e foi quando o espírito do gelo andou em direção à cortina líquida, seu corpo aparecendo em outra dimensão conforme avançava. A sensação era a de ser rasgado ao meio, mas perseverou: Zorana tinha de pagar pelos seus crimes.

Não importava o quanto doesse nele vê-la sofrer o Encarceramento de Prometheus.

6 comentários:

  1. Texto impecável da Gabrielle Vizcaino!

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  2. Muito bom Tenshi! Gostei desse começo, sua habilidade de criar novos mundo é incrível.

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  3. Valeu, Renan, Karol *-*
    Karol, a maior partes desses mundos são criados num momento em que não sei se durmo ou permaneço acordada em aulas chatas xD

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  4. Eu adorei essa histórias e confesso que não quero ler tudo agora, pois são só três capítulos e logo vai acabar! rsrs Fantástico trabalho Tenshi! FantásticO!

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  5. Pena que são só 3 cap.
    como sempre adoro os mundos da Tenshi

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  6. Valeu mesmo, gente ^^
    Prometo que, se gostaram mesmo do mundo de Suspendya, assim que surgir uma ideia, escrevo um livro passado totalmente nele u.u

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