domingo, 25 de novembro de 2012

Magia Elemental

Capítulo 2 - O Escolhido

Por Patrique Mamedes & Fábio Abreu

Ver elfos nunca foi um acontecimento rotineiro. Ao contrário, era muito raro. Eles eram especialistas em passar despercebidos. Quando se via um, deveria certamente comemorar, pois, a chance de ver outro novamente era bem pequena, poderia passar a vida toda sem ao menos ver vestígios deles.

Eu estava certo em confiar naquele sonho. Acho que vivi uma forma de presságio. As coisas começaram bem, no meio de tanta turbulência devido ao inconfortável “rapto” do meu mestre. Então, veio o anagrama, o sonho e a coincidência de encontrar uma elfa tão facilmente.

Eu pressentia que estava no caminho certo para encontrar Elenie. Após encontrá-la, o próximo passo sem dúvida seria procurar por meu mestre, tendo para isso que enfrentar as forças de Alzvör. Mas, infelizmente nada daquilo era possível naquele momento, devido às limitações de minhas forças e às circunstâncias. Para minha sorte Kóren resolvera de vez mergulhar de cabeça nesta jornada.

Uma esfera de fogo nos surpreendeu e Kóren conjurou uma barreira, por reflexo, para me defender. O que mais lhe intrigava era que elfos não conjuram nenhum tipo de magia Elemental, por possuírem eles suas próprias magias, e todas eram muito complexas. Então quem lançara tamanho poder? Seria um ser maligno? Estaria travando uma batalha com a mística elfa?


O escudo se desfez. Olhei para Kóren e ele entendeu meu sinal: saiu de esgueira à esquerda e eu fui à direita. A ideia era atocaiar e só depois fazer perguntas. Kóren, me deu um sinal através de sua áurea, quase imperceptível. Entendi que era hora de agir, então atacamos, cada qual de seu modo. Eu lançando feixes de luz para todos os lados para cegar provisoriamente a elfa e Kóren, conjurando mais uma vez LEVITUS, fez aparecer esferas que engoliram tudo que poderia ter vida naquele campo de batalha. Assim que os flashes cessaram pudemos ver o resultado.

Conseguimos! Duas esferas de galhos flutuavam graciosamente alguns metros a nossa frente. Em cada uma delas, formas de vida presas. Uma sabíamos que era a elfa e era a que menos nos preocuparia, já que ouvia-se que eles eram seres do bem, não fosse pelo fato de que a esfera em que ela estava apodrecesse instantaneamente ao simples soar de um encanto. A pequena elfa saiu intacta e permaneceu falando em uma língua que eu não conseguia entender mais que aos meus ouvidos agradava. Não falava apenas, entoava cada palavra.

Em seguida da segunda esfera emanou uma forte onda de calor. Ela subiu ao céu e se interpôs entre nós e o sol, me impossibilitando de continuar olhando. Alguns segundos depois, desceu como um meteoro flamejante alcançando uma velocidade surpreendente. Quando se chocou com o solo toda terra estremeceu. As chamas foram consumindo a folhagem e para minha completa e total surpresa estava lá, ela, ajoelhada, com os braços abertos. Lançando-me um olhar de surpresa disse:

— Alliän, é você?

Era Elenie, que voltara à feição sorridente, por um segundo me assustei com tamanho poder, ela estava muito forte, diferente.

— Elenie, viemos te buscar!

O choque foi nítido na expressão de Elenie, e isso me preocupou. Tudo que eu sabia era o que o anagrama me dizia, o que era muito pouco. Kóren por sua vez mirava intrigado a pequena elfa. Ela era um pouco mais baixa que Elenie e seus cabelos negros e acetinados reluziam à luz da manhã.

— Raptado Alliän? Mas quando e como? Quem...

— Eu não sei Elenie, eu não sei. — A interrompi. — Depois que parti a caminho do vilarejo de Heldor não tive mais notícias do Castelo Três Torres e depois de ser quase raptado ontem voltei ao castelo com a ajuda de Kóren e então... Enfim...

Elenie olhou para Kóren que pareceu um adolescente tímido ao ver que ela o avaliava pelo canto do olho. A feiticeira estava surpresa e sua expressão já havia mudado. A tensão estava no ar de maneira pesada.


— Afinal onde estava quando tudo aconteceu, porque se afastou do Três Torres? — questionei tentando entender como tudo aquilo havia acontecido.

— Depois de três dias que você havia partido o mestre Dammus me disse que eu devia partir também. Mas numa jornada para alcançar a perfeição do elemento Fogo e assim alcançar o elemento TERRA. E sem mais informações disse que me enviaria a amigos de longa data e usou uma magia que nunca o vi usar para me enviar para os limiares da terra dos elfos.

Ela se virou e olhou a elfa de olhos âmbar e cabelos negros que nos observava calada. Percebi Kóren inquieto, Elenie estava três níveis de magia a sua frente.

— Quando me recobrei do translado mágico a senhora de Kristäh. — indicou a elfa logo atrás dela. — já me aguardava. Treinei incessantemente com ela desde que as encontrei e não percebi o tempo passar. Agora muita coisa faz sentido pra mim... — concluiu ela pensativa.

Kristäh era o nome da elfa. Sua beleza era encantadora. Mas não entendia porque estavam ali se o anagrama dizia que estaria na terra dos elfos, que com certeza não ficava na floresta das rosas azuis. Elenie se calou e pareceu pensativa enquanto Kóren ajeitava sua luva e coçava a mão. Notei que ela estava avermelhada sob a luva de pedra roxa. Ele usou muito de seu poder para aquela invocação.

— Elenie... O que quis dizer com “agora muita coisa faz sentido pra mim”? — sondei preocupado com sua resposta.

Ela respirou fundo antes de me responder, o que me deixou ainda mais tenso.

— Há semanas que o mestre andava preocupado e lançando secretamente encantos de proteção e barreiras místicas de pequena intensidade em torno do Três Torres, mas eu não sabia do que se tratava. Agora acredito que ele previu que aconteceria algo e nos enviou para longe para nos proteger — ela me deu aquele olhar selvagem, que só eu conhecia — ou, para que pudéssemos agir agora.

Eu me senti mal por não perceber nada do que ela mencionou, não havia sequer imaginado que algo dessa proporção estava acontecendo. Mas confesso que o fato de meu mestre ter me mandado para longe para agora agir por ele me confortava. Pois certa culpa ainda me abatia depois de ver o Três Torres na noite passada.

Kristäh tirou da cintura uma arma em forma de “V” e com muita destreza e elegância lançou ao ar na direção de uma árvore próxima. Elenie não se moveu apesar de eu me assustar e Kóren ter dado dois passos para trás. A arma cortou a folhagem e voltou diretamente até a elfa e em sua ponta havia um pêssego de Burön, uma fruta típica daquela floresta.

Ela pegou a arma com tanta sutileza, que esta mal parecia estar a tanta velocidade quando retornou a sua mão. Retirou o pêssego e mordeu-o despreocupadamente.

— Alliän, preciso que me diga exatamente o que dizia o anagrama.

Eu assenti e comecei, com a ajuda de Kóren lhe disse cada palavra “confusa” do anagrama.

A expressão de Elenie passou de tensa e desorientada para decidida e impetuosa.

— O que tem em mente Elenie?

Ela sorriu com o canto da boca de leve antes de responder, olhou para Kristäh em silêncio e pareciam conversar com o olhar. A elfa largou o pêssego e fechou seus olhos e seus lábios se moviam sussurrando algo naquela língua estranha novamente numa velocidade que ninguém poderia acompanhar ou entender.

Elenie a olhava fixamente enquanto Kóren tentava entender o que estava acontecendo. Kristäh abriu os olhos, mas nada disse, apenas sorriu e seus olhos brilharam, Elenie sorriu em resposta.

— Preparados para uma viagem como nunca fizeram antes? — desafiou Elenie num tom que não me agradava.

Eu olhei para Kóren que estava ficando meio pálido e perguntei com certo temor.

— Aonde vamos Elenie? — não consegui disfarçar a tensão.

— Vamos salvar nosso mestre! — respondeu ela decidida. — Mas antes... — senti um frio subir pela espinha quando ela concluiu sua intenção —, vamos à terra dos elfos!

Minha visão ficou turva, a paisagem começou a distorcer, meu estômago revirava. Não era um teletransporte, mais sim um encanto de confusão mental, afinal, eu não estava me desintegrando. Senti que uma força maior me puxava em linha reta, em uma velocidade assustadora, quando do nada, notei que não estava mais em terra firme, logo me vi sendo empurrado pela força da gravidade para baixo ao mesmo tempo me senti sonolento, pensei estar ouvindo gritos de Kóren, então apaguei.

Abri meus olhos, Kóren estava se enxugando, Elenie me olhava de pé me protegendo da luz do sol, meu corpo estava encharcado. Quando virei percebi estar em terra firme. A paisagem era surreal, cores vivas, longos campos verdes de perder de vista, com flores e árvores que mais pareciam ter sido colocada estrategicamente nos respectivos lugares. Borboletas voavam, alguns pássaros cantarolavam. Eu não reconheci nenhuma espécie. Pareciam ser encantados.

Não sabia como havia chegado até aquele lugar, mais não cogitei questionar, sabia que era uma forma segura dos elfos para nos levar ao seu mundo, eu estava maravilhado e percebi que Kóren também estava, olhava para todos os lados sem falar nada. Era uma honra concedida a poucos homens.

Quando então voltei a mim, percebi que muitos outros elfos chegavam. Alguns, bem montados em cavalos e outros caminhando. O que vinha mais a frente era bem mais forte que os demais, mas mantinha os traços sutis característicos dos elfos. ele vinha na frente.

O elfo desceu, veio até Kristäh, falaram em sua língua. Fez um sinal de positivo, virou se para mim, me observou dos pés a cabeça. Virou-se para Kóren e da mesma forma fez. Então, cumprimentou Elenie com quem falou as primeiras palavras em nossa língua:

— Eles estão bem?

Elenie demonstrando intimidade respondeu em tom ameno:

— Estão sim. Sentiram um pouco a transição, mas já era esperado — então lançou ao grande elfo o primeiro ensaio do que viria a ser um grande sorriso, que se desfez rapidamente. —, eles capturaram meu mestr...

— Eu já sei, os magos negros; Malum, Tenebris, Tristitia, levaram seu mestre. — foi interrompida pelo grande elfo.

— Desde quando sabe? — questionou Elenie o grande elfo.

— Desde sempre. — respondeu sem alterar seu semblante altivo.

— Mais então porque não... — novamente foi interrompida.

— Há tempo para tudo, até para saber. — respondeu serenamente consolando-a com uma pequena e tímida carícia nos cabelos.

Queria interferir no diálogo dos dois, mais confesso que me contive. Queria saber o que estava acontecendo, mas teria de esperar a oportunidade certa. Tínhamos acabado de chegar, e sequer fomos apresentados.

A noite chegou, e já estávamos sentados em uma mesa gigante com vários elfos que a rodeavam. Kóren estava do meu lado direito, Elenie, do meu lado esquerdo e Kristäh sentou-se a minha frente, degustávamos um grande banquete. Fomos, então, apresentados à a senhora do povo élfico, Taehana, que era conhecida por seus grandes poderes e era respeitada não só na terra dos elfos, mas em toda a Sylméria.

Taehana perguntou tudo sobre mim, meu nível, os poderes que já havia aprendido, e estranhamente não se surpreendeu quando disse que tinha executado o Kórtariah com perfeição derrotando um Malloth. Ela parecia me ver como um tipo de “bichinho” incomum. O pouco contato com homens nesses últimos tempos deveria causar tal comportamento.

O banquete se desfez e iríamos aos finalmente. Eu tinha muitas perguntas e torcia para que a grande elfa pudesse me ajudar. Por fim nos levaram para a sala de guerra.

Eu já estava muito incomodado com toda a etiqueta e os bons modos dos elfos. Uma guerra prestes a explodir em Sylméria, meu mestre desaparecido e eles só sabiam ser polidos e falar em sua língua estranha boa parte do tempo, o que nos deixava aquém de tudo que tratavam. Estranhamente Elenie parecia não se importar.

Kóren estava tão extasiado com toda aquela novidade que nem se importava com estes detalhes. Mesmo sua missão fora esquecida e seu irmão desaparecido agora nem citado era em nossas curtas conversas.

Dois dias naquela terra única, que todo mago sonhava contemplar, e eu só conseguia ficar mais angustiado a cada minuto que passava. Por falar em tempo, havia algo de errado com ele naquele lugar. As horas corriam de maneira diferente e me afetava de um jeito que não consigo explicar.

Fomos polidamente convidados a nos apresentarmos, no início da noite, na sala de guerra, um aposento amplo e com janelas adornadas com belíssimos arabescos dourados. A luz do luar iluminava com abundância o local. No centro havia uma mesa oval com doze cadeiras dispostas ao redor, sobre a qual estava estendido um mapa seguro por pesos em forma de dragão entalhados em mármore rubro.

— Sentem-se. — solicitou, em nossa língua, o elfo robusto que conversara com Elenie em nossa chegada — me perdoem a falta de polidez de antes, me chamo Berniöth e sou mestre de guerra do Império Élfico de Sua Majestade a Rainha Taehana.

Assenti sem nada dizer. Com exceção da senhora dos elfos, os demais eram seres estranhos e de poucas palavras e enquanto estivesse em seus domínios seria educado partilhar de alguns de seus costumes. Kóren já iniciava uma pergunta que poderia não ser conveniente já que tudo nas terras élficas o encantava, quando Elenie o fulminou com um olhar penetrante do outro lado da mesa e ele se calou.

— Este é o mapa de Sylméria e estas são as terras desoladas de Grilmon, onde possivelmente seu mestre esteja cativo.

A voz grave de Berniöth era tranquila e controlada mesmo diante da situação.

— Grilmon é a terra onde os magos que adotaram as sombras como fonte de seu poder foram isolados depois que Alzvör fora aprisionado nesta ilha.

O indicador delgado do elfo apontou no mapa um pequeno ponto vermelho a oeste, a Ilha Andave, o cativeiro de Alzvör.

Senti um calafrio percorrer meu corpo e notei a postura rígida de Kóren, não hesitante questionei.

— E o que seu povo pretende fazer? Alzvör já mostra sua intenção de retornar e fez aliança com os Malloths de algum modo. Não sei o motivo de estar raptando magos, mas de certo pretende algo. Meu mestre pode ajudar, mas permanece desaparecido... — minha voz falhou. — Ele... pode nem estar vivo a esta altura. — vi Elenie virar o rosto rejeitando esta possibilidade. — Precisamos agir.

— Entendo sua preocupação jovem mago, e não perderemos mais tempo. Preparem-se para cavalgar. Pela manhã partiremos em uma missão para as terras desoladas.

Sorri satisfeito, enfim iríamos agir e talvez pudéssemos encontrar mestre Dammus ainda com vida. Voltamos aos aposentos com nichos de palha e tecidos finos muito confortáveis que nos haviam disponibilizado e adormeci.

E um novo sonho me veio.

Eu estava em um campo de flores brancas e um paredão de rocha muito íngreme se encontrava no final do campo. Eu corria em direção ao monólito com muita velocidade e uma voz me dizia com muita clareza.

— Não olhe para trás, siga em frente, eu os deterei. Encontre os três tesouros de Darllius e salve Silmérya da mão negra da destruição. Seja corajoso meu...

A voz se perdia no som de feitiços e lâminas se chocando atrás de mim, meus olhos ardiam e minha mão formigava. Para meu desespero minha luva estava destruída e ainda não podia controlar e canalizar meus poderes sem ela para sortilégios mais poderosos como Kortáriah.

Então seguia de encontro ao monólito de rocha a minha frente me distanciando cada vez mais da batalha.

Mesmo com o forte desejo de voltar e ajudar quem fosse, prossegui e alcancei a base da rocha. Em seu cume vi a entrada arcada de uma caverna, mesmo sem a luva não tive dúvidas e invoquei o primeiro feitiço que me veio à mente.

— LEVITUS!

Raízes abaixo da grama verde se contorceram sob meus pés e com perfeição uma águia de mais de dois metros me elevou ao ar com asas cobertas de pétalas brancas. Alcancei a caverna e minha águia partiu planando para longe. À medida que se desfazia aos poucos, senti minha mão arder muito.

Corri para dentro da caverna e uma forte explosão me lançou longe. Ainda tonto abri meus olhos e um mago de manto negro estava parado na entrada da gruta portando um baú de bronze nas mãos e um sorriso cruel nos lábios quando perguntou.

— Foi isto que veio buscar aprendiz?

Acordei ao som de sua gargalhada fria e maligna em meu leito desarrumado.

Até o ar daquele lugar era diferente e esperava poder voltar a Silmérya o quanto antes. Depois de um breve desjejum de frutas e leite quente nos reunimos na sala de guerra e ficou decidido que nos separaríamos em dois grupos.

Kóren seguiria com dois elfos rastreadores para os Lagos do Sul e convocaria seu mestre e todo círculo dos magos da ordem dos Darllianos que conseguisse reunir e ao mesmo tempo os elfos o ajudariam na busca de seu irmão desaparecido. Eu, Elenie, e Kristäh faríamos uma missão de reconhecimento nas terras desoladas e todos nos encontraríamos depois de sete luas na Encosta da Morte, no extremo oeste de Silmérya.

Mas só um pensamento passava pela minha mente: Mestre... Eu vou encontrá-lo!

Partimos em direções diferentes, eu seguiria rumo as terras desoladas e Kórem rumo a seu lar nos Lagos do Sul. Boa sorte amigo. Desejei ao vê-lo seguir com os elfos.


Kóren


Estava tudo acontecendo muito rápido. Uma jornada que parecia ser simples como observar os passos de um jovem aprendiz de feiticeiro, agora tomava rumos que eu nunca imaginaria. Isto sem mencionar que estava na companhia de dois elfos silenciosos, que não falavam nada há três dias. Parece que até chegar aos Lagos do Sul seria extremamente entediante. 

Tentando quebrar o clima, me esforcei mais uma vez em algo que aparentemente seria uma conversa, mas eles não gostavam muito de conversar.

— Hum... Vocês me entendem? E-U S-O-U K-Ó-R-E-N-! Conseguem falar a minha língua?

Tudo que mais queria era ter uma conversa franca com os elfos, pois já era um sonho estar ao lado deles.

— Acho que é você que esta com um pouco de dificuldades jovem. Falando tão pausadamente assim. — comentou o elfo que aparentemente era o mais velho, não me importei com o sarcasmo dele. Finalmente alguém para conversar.

— Não seja tão grosseiro Fingon, não vê que ele esta com medo? Está até pálido. — soltou o jovem elfo com ar de cinismo.

— Como? Qual o seu nome? Medo? Não! Não estou não... — respondi sem entender porque ele pensara aquilo.

— Eu sou Finwë, e esse é o velho ranzinza Fingon. Não se preocupe, sei lidar bem com ele, não terá problema. E sim, você está com medo do que nos espera. — Disse o jovem elfo.

— Não estou não! — disse eu mais uma vez, e começando a me arrepender de ter iniciado o diálogo. Como poderia existir elfos tão estranhos assim?

De repente as coisas começavam a fluir. Estava eu ao lado de dois elfos totalmente fora dos padrões e percebi que seria uma jornada literalmente inesquecível, mesmo os elfos sendo tão incomuns. Pelos relatos conhecidos de sua raça, sabia eu que tinha que aprender ao máximo com o velho elfo ranzinza e o infantil elfo cínico. Era uma oportunidade única para um mago.

A noite se aproximava, quando de longe avistamos uma espécie de tribo abandonada. Havia sinais de luta e muito sangue. Os elfos se encarregaram de se aproximar silenciosamente e ver se era seguro para um pouso noturno. Eu fui à busca de frutas para o jantar em um local mais afastado. As coisas estavam calmas demais, era possível sentir as folhas se mexerem devido a brisa fria que cortava aquele ambiente já coberto pela escuridão. Não fiz muita questão de invocar uma magia de iluminação, pois na situação em que estávamos vivendo seria um risco ter nossa posição denunciada.

— NORMAL! — bradou o jovem elfo Finwë, aparecendo do nada ao meu lado direito.

Ao ouvir o grito infeliz do elfo, recuei alguns passos para trás e meu coração disparou instantaneamente.

— Como assim? Normal? Como você chega do nada? Quase me matou de susto! — gritei também enfurecido. Como um elfo poderia ser tão imprudente? Me perguntei.

— Normal... Tudo normal, verificamos a tribo. Não tem ninguém, então resolvi vir te buscar e ajudar com as frutas, enquanto o velho Fingon prepara alguns encantamentos para que possamos ter mais segurança. — disse rapidamente o elfo tentando explicar sua chegada inoportuna, contudo, com uma voz mais contida e serena, comum de sua raça.

Finwë apesar de muito jovem para os elfos era muito esforçado, naquela noite ele me ajudou com as frutas, preparou os dormitórios e ainda ficou de vigia durante a noite para que eu e o velho Fingon descansássemos um pouco.

Fui o primeiro a acordar e descobri que Finwë não era tão esforçado assim. Caíra num sono profundo. O velho elfo ranzinza murmurava alguma coisa que não conseguia ouvir, mas também demonstrava que não iria acordar tão cedo, então resolvi buscar mais alguns frutos para o desjejum matinal. Andando alguns metros, avistei uma grande macieira, como não pude percebê-la ontem à noite, pensei. Aproximei-me e comecei a pegar alguns frutos, quando algo chamou minha atenção, havia um pequeno riacho bem próximo, resolvi descer e beber um pouco de água fresca, a do meu cantil já amargava.

Deliciava alguns goles de água pura, quando me virei para esquerda e percebi que uma linda donzela estava também a saciar sua sede alguns metros à frente. Ela me olhou e seus olhos me convidavam a ir a seu encontro. Senti uma necessidade única de estar próximo dela. Não resisti, me levantei e fui ter com a bela mulher. Ela não hesitou e me cumprimentou com um gostoso beijo. Era maravilhoso, parecia que estava perdendo minhas forças, mas não queria parar.

— KÓREN NÃO! — Gritou Finwë e parecia estar dentro de minha cabeça, longe. — fazendo com que eu reagisse.

Abri os olhos lentamente, com uma vertigem. Estava cercado por dezenas de monstros que eu nunca tinha visto em toda minha existência. Eram prateados e se transformavam em várias pessoas constantemente. Eram altos e esguios e tinham prezas enormes. Senti meu pescoço dolorido, passei a mão e havia sangue. Olhei para o lado e um daqueles monstros estava com uma flecha fincada na cabeça, caído. Eu não reconhecia aquele ambiente, não se parecia nada com aquela tribo abandonada. Corri para junto de Finwë trôpego. Senti que não teria muito tempo. Os elfos derrubavam um por flecha mas não conseguiriam derrotar todos eles sozinhos. Estávamos  encurralados contra as rochas logo atrás. Finwë saltaria aquela altura facilmente para o outro lado e seguiria com velocidade para o acampamento, mas com certeza ele sabia que se o fizesse, estaria me condenando à morte.

Um dos monstros lançou um tentáculo e laçou o braço esquerdo de Finwë que em poucos segundos estava de joelhos. Uma aura de poder se esvaiu de seu corpo e fluiu até o monstro pelo tentáculo. Não sabia o que fazer e em meu coração senti algo diferente, um fluir da natureza. Minha luva reluziu e minha joia mudou sua cor. De roxa passou para um amarelo intenso. Era como se joia estivesse viva. Uma nuvem girava em espirais em seu interior e um encantamento saltou de meus lábios sem que sequer eu tivesse pensado nele.

— AXTRENIUM VENTI! — invoquei.

Era um encanto que exigia muito de um mago.

Minha luva reluziu e um feixe de luz amarelo subiu ao céu numa velocidade absurda. Os monstros se assustaram com a invocação e parte deles se lançou no rio. Eu caí de joelhos me sentido exausto. Um estrondo se ouviu e do céu um enorme tornado apareceu varrendo de nossa frente todos os monstros. Só permaneceram na margem do rio, eu, Finwë e o recém-chegado e boquiaberto Fingon.

Eu não sabia de forma alguma explicar o que acontecera. Para minha felicidade Finwë e Fingon que permaneciam estáticos, estavam bem. O tornado lançou pelos ares todos os monstros e se desfez em seguida. Para minha completa surpresa, agora era um mago nível Vento. E pelo que via, não era só eu a estar surpreso: os elfos não davam muito por mim e meus poderes. Para falar a verdade, nem mesmo eu acreditar no que fiz.

— O que aconteceu aqui? — questionei aos dois.

— Ilusdarks. São seres de ilusão, embora fracos. Mas quando estamos sob seus encantamentos, somos vulneráveis. Não sei em que momento eles nos encantaram. Quando acordei Finwë já estava lutando desesperadamente. — disse Fingon educadamente e pela primeira vez sem seu costumeiro tom ranzinza.

Eu assenti sem nada dizer, exausto. Invocar aquele tornado havia sugado minhas forças, que teria de aprender a lidar com este novo poder ou ele poderia me matar. Finwë ainda me olhava estranho, numa mistura de medo e admiração pelo que fiz.

Depois de um merecido descanso seguimos rumo aos Lagos do Sul, chegando ao nosso destino ao apagar das luzes. Enfim, estava em meu território. Levei os elfos direto à torre central, onde certamente estava meu mestre Victorius. No portão de entrada um dos sentinelas me informou que uma reunião estava acontecendo com uma grande quantidade de magos da ordem. Era tudo que eu queria, pensei. A sorte estava ao nosso lado.

Já dentro da grande torre me deparei com quase todos da orla acomodados em suas poltronas no salão nobre da torre.

— Você demorou! Estávamos lhe esperando — disse Victorius em tom de muita seriedade.

— Mestre, tive alguns contratempos. Preciso lhe contar..

— Não diga nada, acho que todos nós já lemos sua mente. Seja bem vindos Fingon e Finwë. É sempre um prazer fazer alianças com o seu povo.

Havia me esquecido que a maioria da ordem podia ler mentes desprotegidas como a minha. Seus níveis eram Mente ou Água, com exceção de meu mestre e mais um ou dois que eram inegavelmente nível Alma.

— Também estamos honrados Victorius. — disse o velho elfo que parecia ter reconhecimento e respeito de todos os magos presentes.

Intrigado, olhei para os elfos que agiam novamente com sua postura polida, muito diferente do comportamento atípico da viagem até ali. Desde quando eles se conheciam? Talvez só soubesse a verdade quando alcançasse o nível Mente um dia.

Naquela noite traçamos todas as nossas metas, os demais magos seguiram para suas torres levando a estratégia e conforme o acordo nos encontraríamos dentro de duas noites. O jovem Finwë encantou um belo pássaro para que passasse relatórios da jornada aos demais que esperavam por boas novas em Heldor.

Victorius, Finwë e Fingon seguiriam comigo em busca de meu irmão, segundo notícias recentes que chegaram aos Lagos do Sul, estava numa aldeia chamada Illivía, que ficava exatamente a dois dias de viagem a caminho do Três Torres e juntos encontraríamos Alliän e seu grupo no extremo oeste de Silmérya.

O MAL ESTÁ PRÓXIMO.

Alliän


Chegamos depois de um dia de viagem ao deserto de Kurön. Era o início das Terras Desoladas, lar dos magos exilados há muitas décadas. Ali todo cuidado seria pouco. Vez ou outra Elenie me repreendia apenas com um olhar. Percebi pelo caminho até o deserto que ela havia desenvolvido habilidades novas e agia com a cautela excessiva dos elfos. Eu agora era o lento e barulhento peso que ela e Kristäh tinham de levar. Não preciso dizer que me senti um estorvo por conta disso.

— Alliän, preciso que fique dez passos atrás de mim a partir daqui e em silêncio. — Sussurrou Elenie enfática sem sequer me olhar, enquanto observava Kristäh rastrear o chão a nossa frente.

A vegetação era escassa e não nos daria muitas opções para camuflagem, por isso a habilidosa elfa seguiu na frente. Logo ela deu sinal e Elenie foi até onde estava com tanta rapidez e habilidade que sequer ouvi seus pés tocarem o chão, eu estava cansado e frustrado por estar sendo um peso para as duas nessa missão que era tão importante, principalmente para mim.

Cumprindo a ordem de Elenie, fiquei dez passos atrás delas Na falta do mestre, ela era minha tutora. Senti minha mão formigar e vi que estava sem minha luva. A procurei e logo que coloquei senti um calor emanar da minha joia verde. Lembro-me como se fosse ontem, quando fui escolhido entre mais de vinte jovens para ser o terceiro aprendiz de mestre Dammus.

Era uma manhã de sol no Três Torres. Eu havia chegado ao vilarejo mais próximo do castelo na manhã anterior viajando com mercadores desde que meus pais morreram e ouvi uma conversa de três homens encapuzados numa taverna suja.

— Estão dizendo que o ancião Dammus busca servos de talento para seu castelo, mais um jovem de sorte será escolhido depois de sete anos desde o último. — comentou um baixinho de barba espeça e barriga saliente entre um gole e outro de vinho.

Jovem de talento, pensei animado. Eu não era nenhum gênio, mas tinha minhas habilidades e trabalhar carregando mercadorias pra todos os lados não me animava muito. Era minha oportunidade de viver num castelo de verdade. Arrumei meus poucos pertences e segui para o castelo o mais rápido que pude antes de escurecer escondido dos mercadores, não queria que tentassem me convencer do contrário, pois não conhecia a região e poderia ser perigoso.

Cheguei no crepúsculo às portas do que seria meu novo lar. O castelo Três Torres tinha este nome porque, descobri naquele momento, possuía três belas e ornadas torres que se elevavam acima da construção principal. Belos jardins e um pátio central maravilhoso. Procurei uma senhora que vendia frutas, comprei uma e fui para um local onde pudesse passar a noite. Não sabia exatamente como seria feita a tal escolha, mas iria tentar.

A manhã chegou e o sol estava quente. O pátio central estava apinhado de pessoas, muitos moradores das redondezas trouxeram seus filhos na esperança de um deles ser escolhido como novo servo de Dammus, o senhor do Três Torres. Respirei fundo ajeitei meu cabelo e limpei o rosto como pude, eu cheirava a hortelã que havia comprado na noite anterior e deixado em meio as minhas roupas durante a noite.

Logo trombetas soaram e dois jovens apareceram, Damian, o até então primeiro discípulo de Dammus e a habilidosa Elenie. Suas capas eram de tecido fino. Ela possuía cabelos e olhos castanho avermelhados. Não sabia que aquela linda jovem viria a ser como uma irmã para mim anos depois. Algum tempo depois, o próprio Dammus surgiu com uma capa escura bordada em carmim e dourado que reluzia ao sol. Eram as cores do Três Torres.

Fez sinal para que os jovens lhe fossem apresentados, e logo uma fila começou a se formar e  tinha de dar um jeito de me incluir entre eles. Os guardas do castelo estavam atentos, mas eu me achava muito esperto e num descuido de um deles me enfiei na fila de mais de vinte jovens. Não tão esperto na verdade: um guarda na ponta da fila veio em minha direção e já estendia a mão para me agarrar quando Damian o interrompeu e apenas sacudiu a cabeça em negativa para que ele me deixasse na fila. Sorriu ao passar por mim e voltou para seu posto ao lado da inquieta Elenie. Ela era jovem, mas parecia madura.

Dammus era esguio e mantinha uma postura invejável, mesmo para sua idade. A meu lado estava uma garota ruiva emburrada e um jovem de cabelos louros que tremia muito, aparentemente nervoso. O senhor do Três Torres passeou a nossa frente por algum tempo. Ele se aproximou de um jovem de cabelos espetados e negros e pediu que ele estendesse sua mão. Assim o jovem fez. Dammus então pousou uma pedra negra e nada aconteceu. Ele acariciou a cabeça do jovem e voltou a andar pela fila. A mãe do jovem chorava soluçante em algum ponto da multidão pelo filho não ter sido o escolhido.

Eu me movi inquieto Que tipo de teste era aquele? Como saberia o que tinha que fazer com a pedra quando ele a colocasse em minhas mãos? As perguntas saltavam em minha mente, involuntárias. A ruiva a meu lado maliciosamente me empurrou, sem saber, para meu destino. Quase caí com o solavanco. Ela era uns dez centímetros mais alta que eu, por isso não arrumei confusão ali, mas ela teria “a volta”. Quando dei por mim Dammus estava a minha frente. Ele olhou dentro dos meus olhos e eu acho que vi um fio de luz carmim emanar dos olhos dele naquele momento.

— Estenda a mão jovem. — ordenou Dammus num tom tranquilo e controlado.

Eu obedeci ainda trêmulo pelo susto. Ele apoiou sua mão por baixo da minha e pousou a gema fria sobre a minha palma. Eu queria perguntar o que fazer, mas não podia. Então fechei os meus olhos e clamei num sussurro inaudível.

— Que aconteça algo. Que aconteça algo. Que aconteça algo. — e aconteceu.

Ouvi um burburinho se inflamar ainda de olhos cerrados. Senti minha mão esquentar e os abri para contemplar a pedra. A gema reluzia em nove cores diferentes. Absolutamente mágico! Olhei apreensivo para Dammus e ele sorria satisfeito.

Encontrara seu mais novo discípulo. Alliän de Durran.

— ALLIÄN FUJA! — O grito de Elenie me trouxe de volta a realidade, senti a terra vibrar sob meus pés e mal tive tempo de me esquivar do primeiro golpe do Malloth que surgiu do nada atrás de mim.

Voei alguns segundos antes de bater na areia fofa do deserto. Senti uma dor descomunal rasgar meu abdome e o sangue encharcou minhas vestes. Mal conseguia respirar, Elenie estava estática olhando a cena. Kristäh já lançava suas flechas certeiras no ogro, que mesmo com quatro flechas fincadas na cabeça ainda investia ferozmente contra ela. A elfa o afastava de mim, indefeso no chão. Mas o que me assustava era o comportamento de Elenie, apática, com os olhos vidrados em mim, mas desfocados. Queria gritar para que ela corresse ou que fosse ajudar a pequena elfa, mas as dores eram intensas demais. As lágrimas escorriam dos olhos dela agora. Reuni forças e um pouco de ar e sussurrei...

— Elenie, fuja... — a cena mais estranha que já presenciei ocorreu no segundo seguinte a meu pedido.

Elenie se levantou e seus olhos ainda miravam o nada, retirou a faixa de tecido negro que usava para cobrir sua luva e a pedra âmbar, nível Fogo, reluziu reagindo ao poder que ela convocava. No entanto, ela abriu a boca num grito tão selvagem que todos os pelos do meu corpo se eriçaram com o susto. Ela ergueu sua luva e a pedra brilhou e sua cor mudou... Assumiu um tom marrom vivo.

Neste instante dois outros Malloths apareceram de onde o primeiro havia saído. Meu coração acelerou, não tinha forças para ajudá-las. Kristäh batalhava só contra o enorme Malloth. Elenie correu então na direção deles gritando, ergueu sua luva e conjurou bradando.

— MORTIFERUM!

Galhos negros repletos de espinhos surgiram da terra e envolveram seu corpo. Ela vestiu uma armadura de espinhos negros e correu em direção aos Malloths recém-chegados, mas o que mais assustava eram seus olhos: havia morte neles.

3 comentários:

  1. Algo errado... Eu tinha comentado aqui... ¬¬
    Enfim...
    Finalmente li, e só tenho a dizer que estou mega ansiosa pra saber o que vai acontecer... E, tipo, a Elenie no final... Só digo: fufu-sefufu-sefufu-se... o.o
    Aguardo mais *-*

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